terça-feira, 25 de agosto de 2009

Recolho-me na esquina meu canto predileto. E quando digo canto refiro-me ao canto musical que chega nesse momento aos meus ouvidos. Sobe pelo solo, atravessa a pesada calçada de cimento vermelho e finalmente chega aos meus ouvidos. Um canto longínquo, mas belo.
Num repente, o cimento vermelho modifica-se. Começa a transformar-se em relva, verde e fresca com o orvalho da manhã. Árvores surgem, das mais variadas espécies, pairando no ar um odor adocicado de frutas silvestres.
Quando dou por mim, estou na porta de um cogumelo. Sim, um imenso cogumelo com janelas e porta. A porta encontra-se aberta, me convidando para entrar.
Entro e caminho devagar, pois nunca tinha visitado aquele cogumelo antes. Outros sim. Aquele não.
Escuto vozes. Muitas vozes. E o canto, que não cessa e cada vez fica mais forte. Mais denso. Mais colorido, se é que você pode me entender.
Caminho por um longo corredor, iluminado apenas por um candelabro. A cada passo dado pareço estar mergulhando. E realmente, estou mergulhando. Meus pés sentem água. Uma água “alanrajada” e brilhante numa temperatura muito boa. Nem muito fria e nem muito quente.
Uma sensação de torpor invade meu corpo.
Meus pés param. Não obedecem mais ao meu comando. Sinto-me paralisada externamente, pois dentro de mim parece haver um terremoto.
Um tremor interno parte dos meus pés, percorre minhas pernas, tronco, braços, mãos, pescoço e finalmente a cabeça. Tudo para. O canto que escutava, agora parece estar saindo de mim. Sim, algo dentro de mim emite o canto. E ele sai.
Sai por meus poros. Cada poro emite uma nota daquele canto sublime.
Sinto tocarem minha mão. Quando olho, ao meu lado esquerdo está algo nunca visto antes. Não é homem. Não é mulher. No entanto, possui corpo e cabeça. Parece flutuar. Cabelos longos esvoaçam como se ali houvesse um grande vento. Ele toca minha mão e sou levada por ele passivamente ao fundo daquelas águas.
Caminhamos lentamente. Ele olha diretamente aos meus olhos, e sinto como se nos conhecêssemos a muito tempo. Sorri com brandura.
Percebo que estamos muito abaixo do nível da água, no entanto não está mais escuro. Está muito iluminado. E o canto agora me preenche. Carrega-me. Domina-me.
Paramos.
Sem me olhar, ele diz:
- Aqui flui a eternidade.
Sua voz ressoa alta e forte, como um trovão.
Olho a minha volta. O canto cessa.
- Você não pode entrar. Somente observar. E sentir. E acreditar. Aqui habita algo que seres racionais precisam desprender-se de sua racionalidade para entender. Irão sentir algo que nunca sentiram e em sua ânsia de querer entender e colocar significado em todas as coisas, acabarão estragando o lugar.
Continuamos a caminhar. Passamos por uma ponte, onde a cada passo dado sinto meus pés deslizarem por letras entalhadas em cedro.
"S"
"É"
"C"
"U"
"L"
"O"
"S"
"SÉCULOS".
- Não vamos sair da ponte, pois senão o que está desse lado nos dominará. Apenas observe.
Observei. Mas não era possível ver absolutamente nada.
Estava tudo negro, gélido e estagnado. O único movimento era emitido pela cabeleira do ser que me acompanhava.
Fixei meu olhar. Foi quando vários pontos começaram a surgir. Pontos brilhantes. Espera aquilo não eram pontos. Eram olhos. Vários olhares.
Fixos em mim. Em cada olhar era estampado o medo. Medo de algo.
- Esses vivem no assombro. São dominados pelo Nefasto. Muitos seres racionais preferem habitar esse lugar. Na verdade posso te dizer, a grande maioria. Como pode perceber deixamos livre. Colocamos dentro de cada ser o livre arbítrio. Cada um busca aquilo deseja. A ponte possui dois lados. É apenas questão de escolha!
- Agora observe embaixo da ponte.
Embaixo fluía uma neblina. Dessa neblina misturavam-se inúmeras cores. Cores nunca antes observadas e outras já existentes.
- Aqui observamos o pensamento dos seres racionais. As cores brilhantes são aqueles que conseguem desprender-se de sua racionalidade e achegar-se a nós. As cores intricadas são daqueles trancafiados em si mesmos, que não conseguem desprender-se de si mesmo. E outras cores seguidores de Nefasto. Existem cores repetidas, aliás muitas. E cores que nunca foram vistas antes.
De repente tudo parou.
- O cogumelo irá ruir. Não se preocupe. Estivemos, estamos e estaremos em todos os lugares, ao mesmo tempo. Esse foi apenas um portal. Leve consigo essa vela. Quando a chama se apagar nos encontrará novamente.
Minha visão tornou-se escarlate. Senti-me sugada por um vento muito forte e rápido, pois quando abri meus olhos estava na Esquina novamente. Segurava a vela muito forte a ponto de a cera escorrer em meus dedos.
Coloquei-a sobre a mala. A mala que chegou carregando a Vida.
Fechei meus olhos. Fora uma viajem longa. Meu corpo parecia cansado. Reclinei-me sobre o cimento e sorri. Meus poros aos poucos se fechavam, e percebi cada nota do canto maravilhoso esvair-se em direção a chama resplandecente da vela.

6 comentários:

  1. Que bonito o que escreves, Vi.
    quem seria aquele ser, que a levava para a ponte? Deus? seu sub-consciente?
    estou em dúvida entre os dois.
    O que não me resta dúvidas, é que teu blog é ótimo, e seus textos, mais ainda.
    Tenha um bom dia, aí na sua esquina surreal.

    Gi

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  2. vc arrasaaa....
    amo mto tudo isto..... rsrs
    bjãoooooo

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  3. A interpretação é bem livre Gi. Eu pessoalmente acredito que consciencia e Deus estão diretamente relacionados. Mas o texto é independente do que acredito. Cada um imagina o que quer segundo sua ideologia pessoal.

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  4. me identifiko com esse texto...
    me vjo do mesmo jeito, as msmas sensações
    qndo estive com akela a ken me compreendeu melhor
    e foi se embora....
    tmbem tais sensações sera o msmo de qndo usava drogas,
    amor? dor? descoberta? escolhas?
    não importa...
    o q importa é q qndo mergulhamos fundo em algo,
    msmo q seja num texto, descobrimos q não estamos sozinho e as vsz isto basta.

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  5. Vivian muito bonito, me senti como se estivesse, caminhando com aquele ser, atravessando aquela ponte, pude ver até os olhos que te olhavam também me olhando,consegui ver até as cores que não eram observadas fluir dentre as outras já vistas sobre a vela, creio que seja o tempo que nos restam, então andemos pela ponte sem nos afastar dela por causa dos olhares e seguindo o ser maravilhoso que nos acompanha que estar junto conosco todo os dias, em toda as horas,e em qualquer lugar ao mesmo tempo até que a chama se apague. até mais vivian

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  6. Texto rico! Uma vela que não pode se apagar, pois talvez seja como se apagassem o nosso ar do dia-a-dia, o nosso sopro da Vida!

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