quarta-feira, 11 de abril de 2012


Era uma charmosa tulipa. Uma tulipa com asas. Desceu silenciosamente na esquina e pousou sobre meu chapéu.

- Posso descansar aqui?

- Mas é claro. De onde vens?

- Ora! Como és tola! Do meu passeio matinal!

- E porque o cansaço?

- Porque estou fugindo. Fugindo de uma garotinha que insiste em me perseguir.

(...)

- Olha, lá vem ela! Vou me esconder!

- Mamãe, eu a vi. Ela está aqui...

- Filha, não tenho tempo para brincadeiras! Já te disse: flores não andam em supermercados!

- Mas eu vi mamãe! Juro que vi!

Aproximam-se de mim.

- Por favor, moça do chapéu: você viu uma tulipinha vermelha com bolsinha amarela?

Estava pronta a responder quando entra correndo um gato com uma graciosa gravata borboleta e segurando uma caixa preta.

- Olá moça do chapéu. Posso sentar ao teu lado?

- À vontade...

O gato sentou, abriu a caixa preta e tirou dela um lindo saxofone dourado.

- Escutem essa valsa. Aprendi hoje.

A mãe e a menina sentaram junto de nós e o gato começou a tocar uma deliciosa melodia em seu sax. O som nos envolveu.

Estávamos ali, embevecidos na valsa, quando adentra uma bailarina.

Vem rodopiando, fazendo piruetas e dando risadinhas graciosas.

Saltitava e sorria.

Junto dela um acordeonista de cartola. Começou a acompanhar o gato em sua valsinha.

E a bailarina dançava.

- Mamãe quando crescer posso ser igual a ela?

- Mas é claro querida! Só precisamos mudar algumas coisas...

- Que coisas mamãe?

- Seu cabelo. Seus braços. Suas pernas. Seus pés. Ou seja, você inteira!

A menina rompe num choro. A música muda. Começa a ficar agitada. Violenta. O sax grita e o acordeom acompanha o choro da criança.

A bailarina se aproxima da menina e diz:

- Não chores. Talvez possamos dar um jeito nisso tudo.

- Que jeito? Eu não quero mudar!

- Não quer ser como eu?

- Sim.

Nisso a tulipa que permanecia escondida em meu chapéu, rompe a cena com um grito aterrorizado. A música cessa no mesmo instante.

- Porque quer rodopiar? Porque quer saltar? Porque quer rir com graça? Menina tola! Menina tola!

O gato que permanecia sentado levanta-se e diz:

- Tulipas por aqui não são bem-vindas!

O acordeonista aproxima-se e diz:

-Aproxima-te tulipa!

A tulipa voa até os ombros do acordeonista.

- Consegues daqui ver o mar?

- Não. Mas sinto o cheiro e a brisa.

- Vamos pra lá?

- Não posso. Preciso ajudar a menina.

- Leva ela também.

A tulipa vira para a menina e diz:

- Quer conhecer o mar?

- Não. Quero ser como a bailarina e bailarinas não habitam no mar.

A mãe que permanecia calada até então, diz:

- Eu quero ir ao mar.

- O mar não aceita mulheres como tu. Apenas as puras entram nele.

A bailarina ri estrondosamente e em meio ao riso debochado exclama:

- Teu mar é podre! Podre!

- Diz assim, pois lá já habitou. No entanto lá não podes retornar.

A bailarina começa a chorar. O gato ira-se.

- A fez chorar. Pagarás por isso!

A menina levanta-se e diz:

- Bela bailarina... Não chora. Se você chora eu fico triste.

- Não posso. Para meu choro cessar só há uma coisa a fazer.

- E o que é? Diz e farei!

- Tirar todas as pétalas da tulipa.

- Oh! Mas não posso. Ela é tão bela!

- Eu sabia, eu sabia! - E aumenta o choro e os soluços.

A menina caminha até a tulipa e diz:

- Tulipinha... Não posso ver a bailarina chorando. Fico triste também! Você me deixa retirar todas suas pétalas?

A tulipa olha ao acordeonista que diz:

- Se aceitar não poderá retornar ao mar.

A tulipa voa lentamente até o chão. Deixa a bolsinha em minhas mãos.

A menina começa então a tirar pétala por pétala. Cada pétala retirada é uma gota de sangue que vai ao chão.

Gradativamente o choro da bailarina começa a cessar.

E quando a última pétala cai ao chão, uma poça de sangue se formou. A bailarina dá seu último soluço e abre um sorriso.

- Vamos? Agora poderá ser como eu!

A menina então responde:

- Não irei bailarina. Não sou como tu. Fiz isso para teu choro cessar. Ele cessou. Prefiro continuar como menina.

- Como preferir! Encontrei melhores... Vamos gato, preciso de ti!

O gato coloca seu saxofone na caixa.

- Vem bailarina.

A bailarina entra na caixa e lentamente se dobra até ficar do tamanho do polegar de uma criança.

O gato fecha a caixa e retiram-se.

- E agora? - diz a menina - A tulipa virou uma poça de sangue. Há como desfazer?

- Infelizmente não. Ela aceitou fazer isso por ti. Mas você ainda pode vir comigo conhecer o mar.

- Aceito. Adeus mamãe.

A mulher nada responde. Apenas observa a filha desaparecer com o acordeonista.

Quando desaparecem, ela caminha até a poça de sangue, descalça os pés e os mergulha no líquido escarlate.

Os pés tornam-se raízes. O corpo um caule. E as pétalas ressurgem. As asas rasgam a costa.

- Pode devolver minha bolsa?