segunda-feira, 24 de agosto de 2009


"Nós, humanos, só conhecemos os rios na superfície. Os crocodilos os conhecem nas funduras. Nas funduras os rios são escuros e tranquilos como os sofrimentos dos homens. Essa eu não sabia, que os sofrimentos são escuros e tranquilos...
Aí ele diz uma coisa inusitada: que o rio é palavra mágica para conjugar a eternidade. Eu havia aprendido o contrário, que rio é palavra para conjugar tempo. Pelo menos foi assim que ouvi de Heráclito, o filósofo: "tudo flui, nada permanece, tudo é rio..."
Mas lendo as Escrituras Sagradas percebi que certo estava o João: "a eternidade mora no fundo das águas, no fundo do tempo".
Quando Deus quis fazer artes mágicas com Jonas, jogou-o no mar, onde um peixe o aguardava de boca aberta, e por três dias ficou na fundura das águas, como feto na barriga da mãe, até que se transformasse em profeta. O que não é muito diferente das metamorfoses que fazem um poeta - portanto confirmado pela Cecília Meireles e pelo T.S Eliot que afirmam que, para fazer poesia, é preciso ter olhos de peixe. Não é por acaso, portanto, que o ritual mágico para transformação do velho em criança, a que se dá o nome de "batismo", siga a metáfora do afogamento e do nascimento: o adulto é mergulhado, de corpo inteiro, nas águas de um rio: o velho que mergulha morre; a criatura que sai das águas é menino.
Não é por acaso, portanto, que o peixe seja, a um tempo, símbolo poético e símbolo profético: é que ele nada nas funduras do tempo, onde a eternidade gera os seus milagres."
(Trecho extraído de: SOBRE O TEMPO E A ETERNAIDADE, RUBEM ALVES)

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