sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Deitada sobre o pesado cimento da calçada da Esquina, sinto meu corpo molhar-se. Espantada, assento-me e percebo que a calçada encontra-se molhada.
Num repente observo uma gota de água escapulir do cimento e subir em direção ao céu.
Inúmeras gotas começam a escapar do cimento elevando-se ao firmamento e gradativamente formando uma espessa camada de nuvens. Um verdadeiro espetáculo “anti-gravitacional”. Sobem como em câmera lenta, sendo possível observar saírem do solo e estourar, de encontro as inúmeras nuvens já existentes.
As gotas cessam.
As nuvens descem. Descem morosas formando degraus. Precisamente sete degraus.
Levanto e caminho em direção ao primeiro degrau. Galgo todos os sete. São deliciosamente macios.
Chego ao topo.
Aos meus pés, nuvens. Sobre minha cabeça há um movimento incessante de folhas. Folhas secas como as de Outono. Farfalham e fazem um movimento circular.
Ao centro das nuvens jaza uma frondosa árvore pejada de limões. Limões verdíssimos e grandiosos.
Um dos galhos sobressai. Abaixo dele encontra-se um trono. Um trono forrado com veludo verde e com delicadas figuras de anjos e querubins esculpidos sobre o ouro que o reveste.
Assentada sobre ele, está uma mulher trajando um longo vestido nunca por mim visto antes. Este é de um tecido transparente, sendo possível notar seu corpo sob ele, mas dominado por inúmeros tons de verde.
Sua cabeça carrega uma graciosa coroa confeccionada por galhos entrelaçados. É uma Rainha. Encontra-se imóvel e parece não notar minha presença.
Um limão cai.
As folhas cessam seu movimento sobre nós.
A Rainha levanta de seu trono e caminha em direção ao tronco da árvore. Toca-o com o dedo indicador. O tronco abre uma fenda e da mesma emana um líquido pastoso também verde. A rainha retira o líquido e o passa sobre seus lábios. Volta a sentar-se.
O movimento das folhas retorna.
Outro limão cai.
As folhas novamente cessam seu movimento.
Por dentre as folhas sai uma graciosa mulher. Possui pequenas asas. Parece ser toda feita de folhas secas. Possui traços delicados, no entanto não possui braços e nem mãos.
Ela desce.
Caminha em direção a árvore ignorando a presença da rainha.
- Aqui têm cheiro de limão.
Abaixa-se e senta ao lado do limão derrubado.
- Gostas daqui?
...
- Onde habito nada cai. Tudo flutua. Sempre.
...
- Nunca provei um limão. Não possuo mãos, como pode observar, impossibilitando-me de apanhá-lo.
...
- Gostaria de ter mãos. Com dedos. Como as de sua Rainha.
...
- Você não pode voar? Imagina se ao invés de cair você voasse? Seria agradável ver limões voando.
O tronco da árvore emite um gemido. Aos poucos saem dedos, mãos e braços. Caem ao chão. O tronco se fecha.
A mulher levanta-se e caminha até eles. Estes voam e encaixam-se em seu corpo.
Desajeitada com seus novos membros, ela abaixa e apanha o limão.
Observa-o atentamente.
Inspira seu aroma. Expira.
Aperta-o entre os dedos, sentindo sua textura.
Leva-o a boca dando uma grande mordida.
Ao começar a mastigar a mulher cai ao chão, de joelhos.
As folhas cessam novamente.
Escorre um filete de sangue que parece sair das asas da mulher. O pequeno filete começa a aumentar. Aos poucos o chão até então alvo, torna-se escarlate.
Suas asas caem.
- Não - ela diz gritando - não gosto de limão!
As folhas secas desaparecem e as da árvore começam a cair lentamente.
Quando todas já estão ao chão, a mulher estoura e vira uma poeira marrom.
A Rainha, até então imóvel, levanta-se de seu trono.
Caminha até o limão. Leva-o em direção a boca. Quando toca seus lábios, a fruta restitui-se a forma original, como se nunca tivesse sido provada.
A Rainha abre sua mão e o fruto levita ao seu lugar original.
Ela caminha até as asas enodoas de sangue. Retira sua veste e as colocam sobre suas costas.
Sobre nós desce um vendaval, levantando todas as folhas.
Quando o vendaval cessa o chão volta a ser alvo.
A árvore encontra-se frondosa.
O trono vazio.
Sua Majestade encontra-se paralisada. Morta.
Seu corpo é engolido pelas nuvens.
A raiz começa a emitir um movimento. Seus galhos começam a balançar. A árvore inteira abre-se ao meio e de seu interior, uma Rainha - sem asas - caminha em direção ao trono. Possui os mesmos traços e trajes da anterior.
Senta-se sobre o trono.
As folhas secas retomam seu incansável ciclo.
O chão treme.
As nuvens transformam-se em gotas.
E junto com as gotas, retorno a calçada da Esquina.

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